BeOS: O sistema operacional esquecido que ainda encanta (e seu legado no Haiku OS)

Na metade da década de 1990, a empresa Be Inc. embarcou em uma jornada ousada: criar um sistema operacional para computadores pessoais partindo do zero. Apesar de ter recebido aclamação da crítica por seus recursos inovadores, não conseguiu alcançar uma fatia significativa do mercado. Contudo, 25 anos depois, ainda mantém um status de culto. Vamos explorar as razões por trás desse fenômeno.

O Encanto do BeOS: Uma Abordagem Inovadora e Uma Sensação Única

O BeOS, um sistema operacional multimídia hoje extinto, foi apresentado ao público em outubro de 1995, inicialmente destinado ao computador BeBox da Be Inc. A visão por trás do BeOS foi idealizada por Jean-Louis Gassée, um ex-vice-presidente de desenvolvimento de produtos da Apple, e por Steve Sakoman, o criador do Apple Newton. Com tal pedigree tecnológico, a Be atraiu a atenção da indústria desde o início.

Uma das versões primárias do BeOS em operação num BeBox.

O BeOS se destacava dos demais sistemas operacionais da década de 1990 pela sua ausência de código legado. Naquele período, sistemas como Windows, Mac OS, OS/2, Solaris, Linux e até mesmo o NeXTSTEP eram resultado de evoluções, com pelo menos uma década de história. Em contrapartida, a Be ousou criar um sistema operacional completamente novo, projetado especificamente para as necessidades da época: suporte a multimídia e internet.

O desenvolvimento do BeOS foi feito em conjunto com uma plataforma de hardware sob medida, baseada em um processador PowerPC dual, chamada BeBox. Lançado em 3 de outubro de 1995, este computador possuía capacidades superiores em termos de processamento de áudio e vídeo digital, em comparação com os computadores Mac e PCs da época.

O BeBox original, por volta de 1995.

O BeBox era uma máquina com características peculiares, mas atraente. Seu preço inicial era de cerca de US$ 1.600 (equivalente a aproximadamente US$ 2.700 atualmente), e seu público-alvo eram desenvolvedores, e não o consumidor geral.

Essa máquina foi fundamental para demonstrar a viabilidade da visão da Be para uma computação de mesa focada em multimídia.

O que Tornava o BeOS Diferente?

A mídia, logo após o lançamento do BeOS, expressou ceticismo em relação ao projeto, mas, em geral, elogiou a interface simples e bem organizada. O uso dos botões no BeOS era mínimo e eficiente. Ao invés das barras convencionais na parte superior das janelas, o BeOS utilizava abas. Os ícones também tinham um design amigável e descomplicado.

O sistema de menu Deskbar do BeOS (equivalente ao menu Iniciar do Windows ou ao Dock do macOS) oferecia uma interface compacta e robusta para gerenciar aplicativos e configurações. Na versão 5 (R5) do BeOS, a Deskbar podia ser expandida na parte inferior da tela, assemelhando-se a um menu Iniciar.

O gerenciador de tarefas Deskbar do BeOS 5 em ação.

Diferentemente dos demais sistemas operacionais da época, o BeOS suportava aplicativos multithread e incluía suporte para máquinas com multiprocessadores desde o início. Após uma atualização, introduziu também o sistema de arquivos BFS (Be File System), um sistema de 64 bits com journaling e multithread. Este sistema tinha um banco de dados embutido, projetado para otimizar a gravação e reprodução de multimídia digital, uma novidade em meados da década de 1990.

O objetivo era criar um sistema operacional que fosse leve e rápido (o BeBox levava, segundo relatos, apenas 10 segundos para iniciar), sem sacrificar a capacidade de reproduzir múltiplos arquivos de vídeo digital simultaneamente. Em 1995, isso era uma conquista notável.

O BeOS também vinha com um navegador web e elementos semelhantes ao UNIX, incluindo suporte para uma interface de linha de comando Bash, apesar de não ser baseado em Unix. Além disso, oferecia suporte a desktops virtuais, um recurso que ainda não havia sido implementado em muitos sistemas operacionais modernos da época.

Por que o BeOS Não Prosperou?

Apesar de sua tecnologia inovadora e de ter estado perto do sucesso, a história do BeOS é um exemplo clássico de cenários dolorosos no mundo da tecnologia. Em 1996, a Apple chegou a fazer uma oferta para comprar a Be e sua propriedade intelectual, com a intenção de utilizar o BeOS como base para um novo sistema operacional Macintosh. No entanto, os executivos da Be rejeitaram a oferta (supostamente de US$ 120 milhões), e as negociações foram interrompidas.

Ao tomar conhecimento do possível acordo com a BeOS, Steve Jobs ofereceu a NeXT e seu sistema operacional, que acabou sendo o escolhido. Assim, nasceu o Mac OS X da Apple, mas o BeOS poderia facilmente ter sido o escolhido se a oferta inicial da Apple tivesse sido aceita.

Sem a aquisição da Apple, a Be ficou sozinha. Após vender apenas cerca de 1.800 unidades do BeBox ao longo de dois anos (e sem nenhuma outra aquisição em perspectiva), a Be decidiu desenvolver versões do BeOS que pudessem ser executadas em Macs e PCs com hardware Windows. Houve até uma Personal Edition que podia ser executada dentro do Windows.

Uma cópia do BeOS, em caixa, vendida pela Gobe Software no final da década de 1990.

Infelizmente para a Be, o mercado de sistemas operacionais para computadores pessoais era extremamente competitivo naquela época. Empresas como Apple, Microsoft, IBM, NeXT e o Linux estavam todas disputando o domínio. Assim como o OS/2, o BeOS não contava com um amplo suporte a aplicativos de terceiros, já que os desenvolvedores priorizavam plataformas de SO com bases de instalação maiores.

Ainda assim, a Be conseguiu alguns acordos promissores. Chegou a negociar com diversos fabricantes de PCs para incluir o BeOS em uma configuração de dual boot com o Windows. No entanto, o único hardware para PC (além do BeBox) que foi vendido com o BeOS foi a linha Hitachi FLORA Prius 330J, no Japão.

Infelizmente, devido à pressão monopolista da Microsoft, a instalação do BeOS permanecia oculta, a menos que fosse desbloqueada por meio de um processo complicado. A Be processou a Microsoft por essas práticas em 2002, e o processo foi posteriormente resolvido fora dos tribunais.

Uma foto antiga do Hitachi FLORA Prius 330J, que vinha com o BeOS.

Por fim, a Be decidiu mudar seu foco e investir em dispositivos para internet. A Palm, Inc. adquiriu a Be por US$ 11 milhões em 2001 e descontinuou o suporte para a versão desktop do BeOS. Até cerca de 2006, o BeOS existia apenas como um sistema operacional embutido em alguns produtos de gravação e edição de vídeo da Roland e Tascam.

O Legado do BeOS no Haiku OS

Atualmente, é possível baixar e utilizar um descendente moderno e funcional do BeOS para desktop, chamado Haiku. Este projeto gratuito e de código aberto ainda está em versão beta, mas é compatível com aplicativos BeOS legados (e novos). É uma experiência interessante, seja em uma máquina virtual ou como uma instalação direta em hardware compatível com Windows.

O Haiku OS em operação.

A interface leve e eficiente do Haiku parece revigorante em comparação com o Windows. Além disso, inclui um navegador da web moderno, baseado no WebKit, o que permite que você faça muitas coisas, mesmo que o suporte a aplicativos BeOS e Haiku seja geralmente limitado. Vale a pena experimentar para ter um vislumbre do futuro que poderia ter sido.

Feliz aniversário, BeOS!