Celulares Simples: Por que ainda são comprados em 2023?

O dispositivo móvel que você carrega no bolso possui uma capacidade de processamento impressionante, capaz de realizar milhões de cálculos por segundo, exibir gráficos 3D de alta qualidade, dar acesso a informação global e até mesmo capturar fotos comparáveis a câmeras DSLR. Essa realidade tecnológica, embora extraordinária, tornou-se algo comum, especialmente quando relembramos as origens modestas dos celulares.

Modelos de celulares básicos, como os robustos Nokia de antigamente, ainda são fabricados. No entanto, surge a questão: quem está comprando esses aparelhos e qual a razão?

Telefones Funcionais: Uma Breve Retrospectiva

Nas décadas de 1990 e 2000, o mercado de telefonia móvel se dividia em duas categorias distintas: telefones básicos e outros dispositivos mais avançados. Os primeiros, voltados para o público geral, tinham funcionalidades limitadas, como fazer e receber chamadas e enviar mensagens de texto. Modelos icônicos dessa época incluem o Nokia 3310 e o Motorola StarTAC.

Com o tempo, recursos adicionais foram gradualmente incorporados, como mensagens de vídeo e fotos, além de acesso básico à internet através de tecnologias como o Wireless Application Protocol (WAP). No entanto, os custos elevados dos dados e a qualidade relativamente baixa desses recursos limitaram seu uso, fazendo com que a maioria das pessoas continuasse utilizando seus celulares principalmente para comunicação.

A categoria “outros” era composta por dispositivos mais interessantes, como laptops de bolso, incluindo o Psion Series 5, o Nokia Communicator e o BlackBerry. Mais tarde, surgiram aparelhos com telas sensíveis ao toque, antecessores dos smartphones atuais, como os PDAs com capacidade celular da HP (linha iPaq) e da Palm.

À medida que a década de 2000 avançava, o mercado de telefones básicos começou a se equiparar, em termos de recursos, aos seus concorrentes mais sofisticados e caros.

Aparelhos como o LG Renoir de 2008 substituíram os teclados T9 por telas sensíveis ao toque, embora fossem um pouco desajeitadas.

No Reino Unido, a operadora Three, nomeada em referência ao serviço 3G que oferecia, comercializava um telefone com chamadas Skype integradas. O Motorola Rokr, por sua vez, combinava as funcionalidades de celular com as de um reprodutor de MP3, semelhante a um iPod.

Houve também modelos singulares, como o Nokia N-Gage e o LG enV. Era uma época de diversidade no mercado de dispositivos móveis, mas logo se tornou evidente que essa variedade não duraria muito.

No final da década, o mercado de smartphones cresceu significativamente, em parte devido à redução de custos e à mudança na percepção do público, que deixou de associá-los apenas ao ambiente corporativo.

O BlackBerry é um exemplo notável dessa transformação. Seus aparelhos com teclados QWERTY ganharam popularidade fora do escritório com linhas mais acessíveis, como o BlackBerry Curve. O iPhone foi lançado em 2007, e o primeiro telefone Android, o HTC Dream, chegou às lojas no ano seguinte.

Os preços dos dados também caíram, com as operadoras oferecendo planos com quantidades generosas de megabytes. A partir desse momento, a maioria das pessoas começou a migrar para os smartphones. No segundo trimestre de 2013, as vendas de smartphones ultrapassaram oficialmente as de telefones básicos.

Telefones Básicos em 2020

Não é correto afirmar que os telefones básicos desapareceram completamente. Além de ainda existirem, eles continuam a evoluir e são extremamente populares em regiões como a África Subsaariana, onde até mesmo os smartphones Android mais acessíveis são inacessíveis para muitos.

No segundo trimestre de 2019, os telefones básicos representavam quase 58,3% do mercado, embora esse número esteja em declínio. É interessante notar que existe uma economia digital considerável em torno desses dispositivos.

Um exemplo disso é o M-Pesa, que pode ser descrito como a versão africana do Venmo. Fundado pela Vodafone e Safaricom em 2005, o serviço permite que clientes de diversos países africanos, incluindo Quênia e Tanzânia, enviem e recebam dinheiro via SMS.

No Ocidente, os telefones básicos têm um papel diferente no mercado. São frequentemente a escolha de pessoas mais velhas e menos familiarizadas com tecnologia. A Doro, por exemplo, atende esse público com uma linha de telefones com botões grandes e fones de ouvido potentes. O Alcatel Go Flip 3 desempenha um papel similar, embora de forma menos explícita.

Além disso, há um apelo nostálgico. Muitos telefones básicos contemporâneos são versões renovadas de modelos antigos. A Nokia, por exemplo, relançou versões modernizadas do 3310, 8110 e 5310. São dispositivos básicos, mas com telas coloridas, reprodução de música e câmera simples.

É provável que muitas pessoas comprem esses aparelhos por nostalgia. Também é possível que sejam usados como telefones de reserva ou em ambientes onde um smartphone possa ser danificado, como em festivais de música.

Entre o Básico e o Inteligente

O mercado de dispositivos móveis não é uma realidade binária. Existe um meio-termo, representado por dispositivos que utilizam o sistema KaiOS.

Esses aparelhos se assemelham aos modelos pré-smartphones e incluem telas quadradas e teclados físicos T9. No entanto, também oferecem funcionalidades de dispositivos modernos, como loja de aplicativos, assistentes de voz, navegadores de internet, atualizações sem fio e streaming de vídeo.

Um fator crucial é que eles operam perfeitamente em hardwares mais básicos, com o KaiOS presente em telefones de baixo custo, como o MTN Smart.

O KaiOS teve sua origem no Firefox OS, a tentativa da Mozilla de criar um sistema operacional para smartphones que competisse com o Android e o iOS. Seu principal diferencial era a capacidade de funcionar em dispositivos com recursos limitados. Foi um projeto de curta duração; a Mozilla abandonou-o no início de 2017, devido a dificuldades em ganhar tração no mercado.

Essa não foi o fim da história. A comunidade adotou o código-fonte, criando um novo projeto chamado B2G OS (Boot 2 Gecko), que mais tarde deu origem ao KaiOS.

Em maio de 2019, o KaiOS anunciou ter atingido a marca de 100 milhões de dispositivos. É quase certo que esse número aumentou, principalmente devido à queda dos custos de acesso móvel em regiões como a Índia. Consequentemente, o KaiOS está ganhando popularidade entre desenvolvedores, incluindo Google e Facebook.

O Futuro dos Telefones Básicos

O prognóstico de longo prazo para o mercado de telefones básicos não é muito otimista. Esforços intermediários, como o KaiOS, continuarão a reduzir sua já limitada participação de mercado.

Além disso, existem outros fatores como o Android Go, a iniciativa do Google para levar o Android a dispositivos mais acessíveis e com menos recursos.

Enquanto isso, os fabricantes de telefones continuarão a manter a chama dos telefones básicos acesa, pelo tempo que for possível.